quinta-feira, 14 de junho de 2012



Há quase um ano vivo os altos e baixos da revolução egípcia, e quando se está tão perto dos acontecimentos é difícil não ser influenciado pelo menos um pouco pelos ânimos da população. Concordar ou não com essa ou aquela visão, com esse ou aquele rumo que a revolução tomou, as vezes deixa de ter importância, você é simplesmente contagiado pelo sentimento daqueles com quem você conversa, as palavras que você ouve pela rua e por vezes até mesmo a expressão dos transeuntes dá o recado. Desse modo, é impossível não empatizar tanto com a frustração que reina em razão dos resultados do primeiro turno da eleição, quanto com a tristeza daqueles que iniciaram e que mais apoiaram a revolução ao testemunharem a transformação desta em algo irreconhecível. A verdade é que o Egito, que esteve tão unido para lutar pela queda do ex-presidente Mubarak, encontra-se cada dia mais dividido.

Tudo isso para dizer que no fim da semana passada uma notícia me chocou de um modo que eu achei que nada mais me chocaria antes da minha partida. Sexta-feira, dia tradicional de demonstrações na famosa praça Tahrir, um grupo pequeno de mulheres, cerca de 50 (apesar de centenas de mulheres terem confirmado a presença através do Facebook) se manifestavam contra o assédio sexual, protegidas por uma corrente humana de homens apoiadores da causa, quando um grupo de centenas de homens, não se sabe vindos de onde ou como se organizaram, romperam a corrente humana e atacaram as manifestantes com violência. O relato de uma das minhas professoras que estava próxima a praça nesse momento foi deprimente. Por sorte, ela estava em uma rua próxima e não na praça em si na hora em que tudo aconteceu e pôde se abrigar em uma loja quando percebeu a correria. Passado o ápice da confusão, ela decidiu retornar à praça e o que ela viu foi terrível: mulheres machucadas e muitas com boa parte de suas roupas arrancadas. As mulheres atacadas afirmam que foram violentamente apalpadas e muitas tiveram suas roupas arrancadas e bolsas levadas, até que conseguiram se abrigar em prédios no entorno. 

A manifestação no entanto foi uma resposta a atos recorrentes de assédio sexual contra as mulheres. No começo da mesma semana, por exemplo, um jornalista diz ter testemunhado uma mulher que eventualmente desmaiou durante uma manifestação e foi molestada sexualmente por 200 homens antes que alguém pudesse vir em seu socorro. Claro que, no caso do ataque a manifestação das mulheres, pode-se culpar a baltagia (grupos de arruaceiros com objetivos obscuros), pois parecia ser um grupo organizado, mas e no caso da moça que desmaiou durante manifestação que teoricamente clamava por democracia e um país melhor? Estavam lá envolta dela 200 integrantes da baltagia estrategicamente posicionados? Não parece ser o caso. Muitas mulheres que frequentam a praça vêm afirmando que tem sofrido assédio de seus próprios colegas de revolução, homens que supostamente estão lá para lutar por um país melhor e mais justo.  

Há muitos aspectos deprimentes de se estar no meio da revolução. O desrespeito às mulheres é um deles que contrasta com a vontade delas de participar dos rumos que seu país tomará. Fiquei impressionada em testemunhar tantas mulheres capazes de manter um debate sério e profundo e encarar as diferenças com bastante maturidade. O debate entre as mulheres está em todo lugar, no metrô, na escola à espera dos filhos, enfim em qualquer lugar que se reúnam e essa provavelmente é uma das vitórias da revolução. No entanto qualquer povo que se revolte deve ter cuidado, pois governante nenhum vem de outro planeta. No final das contas ele é criado e deriva da sociedade que governa, e um povo que almeja um futuro melhor deve tomar o cuidado de não descuidar de si mesmo e lembrar que na base da construção de um país melhor também está um povo melhor, não só um bom chefe de estado.

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