domingo, 24 de junho de 2012



E quando a luz acaba e você em um país em que você não conhece nenhum eletricista, não faz ideia de como funcionam as instalações elétricas (tudo o que você sabe é que é tudo uma gambiarra só), lá fora faz um calor de 39 graus e ficar sem luz significa ficar sem ventilador e muito menos ar-condicionado? Assim começou nossa manhã ontem e, passada a fase desesperadora do "vamos derreter até a morte!", concluímos que o jeito era esperar. E como calor não é bom pra nada, estava eu de pernas pro ar só na expectativa de ouvir o doce som do ar condicionado novamente, quando um outro barulho me chamou a atenção: era a TV do vizinho que aparentemente estava funcionando às mil maravilhas.

Depois de constatar que as luzes do prédio funcionavam normalmente, vasculhamos a casa toda a procura de chaves que pudessem ter "caído" por excesso de uso de eletricidade. Depois de mexer em várias chaves diferentes, o ar-condicionado e as luzes da maior parte da casa voltaram a funcionar, na verdade, com exceção das luzes da sala tudo parecia funcionar. Mas algo de importância vital também não estava funcionando. Não, não era a geladeira, que também estava desligada, que nos preocupava, mas sim a internet! O roteador da sala estava completamente apagado e esse foi o último empurrãozinho para que eu tomasse coragem e batesse no vizinho cheia de vergonha é claro. Abriram a porta nada além de 4 homens, o que já foi o suficiente para me deixar meio tensa, afinal por aqui nunca se sabe o que se passa na cabeça de um homem quando um estrangeira deliberadamente bate em sua porta. Passado isso, todos foram muito legais e educados e, como mão de homem parece que faz uma diferença em questões de eletricidade (as feministas que me perdoem rs), um deles fez exatamente o que tínhamos feito, mas com ele funcionou e as luzes voltaram a funcionar.

Ficamos muito agradecidas e felizes da vida, e cada qual voltou a seu respectivo apartamento...normal certo? Maaas uns minutos depois a campainha toca e quando abri a porta toda enrolada nos meus lenços de menina comportada, lá estava o vizinho com uma bandeja, chá e 4 copinhos. Ele disse que aquele era um chá Marroquino (eles eram do Marrocos) e que se nós quiséssemos estávamos convidadas para tomar mais chá no apartamento deles. Bom, entrar em um apartamento com uma taxa de 1,333 homens para cada uma de nós não me pareceu uma ideia assim tão boa. Por mais que interação interpessoal seja essencial para o aprendizado de árabe, é muito difícil, principalmente por aqui, se sentir segura de como agir. Claro que em uma certa medida agimos baseadas em um determinado estereótipo de homem, na possibilidade de eles acharem que não seriamos mulheres respeitáveis se aceitássemos o convite. Claro, os  caras podiam ser muito legais e tal e nada disso lhes ter passado pela cabeça, mas por outro lado não podemos esquecer que além de tudo e infelizmente carregamos o estereótipo da mulher brasileira e a convergência do que eles poderiam imaginar de nós com o que nós imaginávamos que eles poderiam ser simplesmente projetou um cenário não muito favorável para nós. É, as relações humanas tem dessas coisas.

quinta-feira, 14 de junho de 2012



Há quase um ano vivo os altos e baixos da revolução egípcia, e quando se está tão perto dos acontecimentos é difícil não ser influenciado pelo menos um pouco pelos ânimos da população. Concordar ou não com essa ou aquela visão, com esse ou aquele rumo que a revolução tomou, as vezes deixa de ter importância, você é simplesmente contagiado pelo sentimento daqueles com quem você conversa, as palavras que você ouve pela rua e por vezes até mesmo a expressão dos transeuntes dá o recado. Desse modo, é impossível não empatizar tanto com a frustração que reina em razão dos resultados do primeiro turno da eleição, quanto com a tristeza daqueles que iniciaram e que mais apoiaram a revolução ao testemunharem a transformação desta em algo irreconhecível. A verdade é que o Egito, que esteve tão unido para lutar pela queda do ex-presidente Mubarak, encontra-se cada dia mais dividido.

Tudo isso para dizer que no fim da semana passada uma notícia me chocou de um modo que eu achei que nada mais me chocaria antes da minha partida. Sexta-feira, dia tradicional de demonstrações na famosa praça Tahrir, um grupo pequeno de mulheres, cerca de 50 (apesar de centenas de mulheres terem confirmado a presença através do Facebook) se manifestavam contra o assédio sexual, protegidas por uma corrente humana de homens apoiadores da causa, quando um grupo de centenas de homens, não se sabe vindos de onde ou como se organizaram, romperam a corrente humana e atacaram as manifestantes com violência. O relato de uma das minhas professoras que estava próxima a praça nesse momento foi deprimente. Por sorte, ela estava em uma rua próxima e não na praça em si na hora em que tudo aconteceu e pôde se abrigar em uma loja quando percebeu a correria. Passado o ápice da confusão, ela decidiu retornar à praça e o que ela viu foi terrível: mulheres machucadas e muitas com boa parte de suas roupas arrancadas. As mulheres atacadas afirmam que foram violentamente apalpadas e muitas tiveram suas roupas arrancadas e bolsas levadas, até que conseguiram se abrigar em prédios no entorno. 

A manifestação no entanto foi uma resposta a atos recorrentes de assédio sexual contra as mulheres. No começo da mesma semana, por exemplo, um jornalista diz ter testemunhado uma mulher que eventualmente desmaiou durante uma manifestação e foi molestada sexualmente por 200 homens antes que alguém pudesse vir em seu socorro. Claro que, no caso do ataque a manifestação das mulheres, pode-se culpar a baltagia (grupos de arruaceiros com objetivos obscuros), pois parecia ser um grupo organizado, mas e no caso da moça que desmaiou durante manifestação que teoricamente clamava por democracia e um país melhor? Estavam lá envolta dela 200 integrantes da baltagia estrategicamente posicionados? Não parece ser o caso. Muitas mulheres que frequentam a praça vêm afirmando que tem sofrido assédio de seus próprios colegas de revolução, homens que supostamente estão lá para lutar por um país melhor e mais justo.  

Há muitos aspectos deprimentes de se estar no meio da revolução. O desrespeito às mulheres é um deles que contrasta com a vontade delas de participar dos rumos que seu país tomará. Fiquei impressionada em testemunhar tantas mulheres capazes de manter um debate sério e profundo e encarar as diferenças com bastante maturidade. O debate entre as mulheres está em todo lugar, no metrô, na escola à espera dos filhos, enfim em qualquer lugar que se reúnam e essa provavelmente é uma das vitórias da revolução. No entanto qualquer povo que se revolte deve ter cuidado, pois governante nenhum vem de outro planeta. No final das contas ele é criado e deriva da sociedade que governa, e um povo que almeja um futuro melhor deve tomar o cuidado de não descuidar de si mesmo e lembrar que na base da construção de um país melhor também está um povo melhor, não só um bom chefe de estado.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Luxor, o auge do Egito Antigo.

Depois de dez horas de uma viagem de ônibus um tanto quanto bizarra, pra dizer o mínimo, chegamos em Luxor. Apesar do inverno, parecia que lá o sol estava mais brilhante. A cidade é dividida pelo Rio Nilo (como a maioria das cidades do Egito, já que a fonte de água é quase exclusivamente desse rio) e no primeiro dia visitamos toda a parte oeste. A cidade é uma delícia, são inúmeros campos verdes que terminam em um deserto e este se perde em enormes montanhas. A parte oeste é o lado calmo da cidade, são grandes estradas, pequenos comércios e vários templos. A paisagem é uma maravilha e decidimos fazer todo o nosso trajeto usando os nossos bons e velhos pés. Enquanto caminhávamos pela beira das ruas podíamos ver os ônibus dos turistas, assim como grandes grupos que alugavam bicicletas pra se locomover e, claro, algum mais aventureiros (e pacientes) alugavam uns burrinhos que, sempre simpáticos, sabiam de cor o caminho dos templos. Não me cabe descrever todos os templos, cada um tem um sentimento diferente, um mistério no ar, uma história cheia de personagens. Só quem visita esse tipo de lugar sabe que as fotos não traduzem nem 5% do que é estar ali dentro, no mesmo lugar que há tantos milhares de anos tanta coisa acontecia.



Começamos pelo Templo de Hatchepsut, uma grande rainha (que mais tarde assumiria a dignidade de faraó) do Antigo Egito. Pelo que parece a época do seu governo foi de relativa paz e prosperidade econômica. É um dos templos mais famosos da cidade, junto com Karnak e o próprio Templo de Luxor. Ele fica no meio das montanhas e tem uma vista incrível. Eu podia passar o dia inteiro naquele lugar. Mas, como nada é perfeito, a visita não foi demorada e seguimos em frente. O segundo lugar que mais me chamou a atenção na parte oeste da cidade foi com certeza a Medinat Habu, que é um templo mortuário do Ramsés III, lugar construído pra comemorar o reinado do faraó e posteriormente cultuar sua morte. São 150 metros de terreno com grandes paredes, pilastres e muitas inscrições. Incrível mesmo. Depois de andar muito, mas muito mesmo, paramos para fazer o que seria nossa única refeição do dia. Perto de um dos templos existia um restaurantezinho, quase no meio do nada, com um jardim em volta e algumas mesinhas do lado de fora. Imagino que em bons tempos de turismo aquilo deveria ficar cheio, mas pela situação que o país se encontra existiam duas ou três mesas ocupadas. Fizemos o pedido esperando uma comida normal egípcia, nada demais. Acabou que parecia uma comida realmente caseira e que, apesar de super simples, estava deliciosa. Claro que a fome ajudou, mas a comida surpreendeu. Aliás, eles serviram uma sopa que lembrava muito aquelas sopas deliciosas que minha vózinha fazia. Em seguida fomos procurar o hotel que passaríamos a noite, não eram muitas as opções e todas elas ofereciam mais ou menos a mesma coisa, pelo menos era o que a gente pensava. Acabamos por escolher um que ficava também meio escondido mas que parecia bem bonitinho. Custava apenas 15 reais (mais café da manhã!) e ficava em frente às montanhas, o que acabou nos proporcionando um magnífico pôr-do-sol e mais tarde, para nossa surpresa, montanhas iluminadas no meio do deserto! O nosso quarto ficava num terraço então tínhamos uma visão privilegiada da paisagem. Ah, o vizinho do lado do hotel era um galinheiro! Fiquei me divertindo observando as galinhas e os patinhos, amo essa mistura de interior com a cidade que o Egito tem. O ponto triste é que éramos os únicos hóspedes do hotel, é muito claro o quanto o turismo foi prejudicado pelos últimos acontecimentos e como isso se reflete na vida das pessoas que dependem desse trabalho.


Acordamos cedo e partimos em direção ao Nilo, existe um barco que, por apenas 0,30 centavos, te leva para outra margem. O que por si só já é bem bonito, aquele sol da manhã refletindo nas águas do Nilo enquanto vários pássaros voam em volta de você no meio de toda aquela paisagem. Pisamos no lado leste de Luxor e todo aquele clima de cidade já começa, aliás, a margem do lado leste é quase totalmente ocupada por cruzeiros (chiques e não chiques) de pessoas que fazem as visitas de Luxor e Assuan navegando pelo Nilo mesmo, deve ser bem gostoso. Partimos em direção à Karnak, templo destinado ao Deus Amon-Rá, rei dos deuses e força criadora da vida, de acordo com a mitologia egípcia. É um templo enorme (1,5 x 0,8 km) que parece estar guardado por esfinges de pedra que se enfileiram em sua entrada. Era o centro religioso do império e chegou até a ameaçar a instituição farônica. Com certeza poderíamos passar um dia inteiro lá dentro, são milhares de coisas pra ver. Santuários, salas importantes, obeliscos e até um escaravelho gigante que, dizem, se você der sete voltas ao redor dele, ganhará uma boa quantia de sorte. Feita a mandinga, botamos o pé no calçadão do Nilo e voltamos para o centro da cidade, onde fica o Templo de Luxor, nossa última parada. Esse templo é dedicado ao mesmo Deus Amon-Rá (dizem que antigamente os dois templos, Karnak e Luxor, eram ligados por uma grande avenida de esfinges) e é o único monumento do mundo que contém documentos das épocas faraônica, greco-romana, copta e islâmica. Tanto que existe uma mesquita dentro do templo, uma fusão bizarra entre duas épocas tão diferentes. Resolvemos deixar esse templo pra visitar no fim da tarde e começo da noite, pois ele ilumina-se com diferentes luzes, deixando as construções ainda mais bonitas. Ele fica bem no meio da cidade, entre uma praça e a Corniche (rua que segue a margem do Nilo), então não tem toda aquela paz que a maioria dos templos tem, mas acreditem, a questão da iluminação durante a noite é realmente magnífica.


Até tentamos pegar o trem no mesmo dia e voltar pra Cairo, mas aparentemente só existia passagem para o dia seguinte. Ficamos num hotel ali no centro mesmo, ele não era tão calmo e nem tinha uma paisagem tão bonita quanto o anterior, mas tinha também um terraço delicioso, cheio de almofadas e mesinhas, onde fizemos a janta daquele dia. O café da manhã também foi louvável, comemos tudo que tivemos direito e ainda tinha uma grande variedade de opções. Pegamos o trem de volta pra Cairo e lá se foram mais dez horas de paisagens bucólicas ao longo do Nilo. Foi uma viagem e tanto, daquelas inesquecíveis.

domingo, 3 de junho de 2012

A entrada do país na democracia deixou um gosto amargo para muitos egípcios, principalmente boa parte dos habitantes do Cairo. O resultado das eleições surpreendeu a todos e nenhum dos candidatos que eram considerados os mais fortes participarão do segundo turno.

Concorrerão na segunda rodada das eleições presidenciais os candidatos Mohamed Morsi, do partido da irmandade muçulmana e Ahmad Shafiq, considerado forte representante do governo Mubarak. Em terceiro lugar, e essa foi a maior surpresa, ficou Hamdeen Sabbahi, que seria uma figura mais próxima ao que chamamos de esquerda, mas ouvi de muitos egípcios que ele não tinha um programa claro de governo. De qualquer maneira, Sabbahi foi um dos candidatos mais votados no Cairo, mas mesmo assim não teve votos suficientes em todo o país para participar do segundo turno. Depois do anuncio oficial dos candidatos que passariam para a próxima rodada houve grande mobilização por parte da população para que Shafiq fosse desclassificado por ter feito parte do governo Mubarak. Para muitos essa seria a última esperança, pois sendo Shafiq desclassificado, Sabbahi concorreria no segundo turno. Tal parece distante de se tornar realidade e muitos sequer sabem se votarão novamente.

A situação é crítica realmente. Se Shafiq for eleito com certeza veremos novos protestos de força incalculável, a Irmandade Muçulmana também já prometeu que se mobilizará. Por outro lado, se Morsi vencer fica difícil saber o que será do país, pois a Irmandade tem sua própria agenda e, na minha opinião, já mostrou que não é digna de sequer uma gota de confiança. No fim das contas acho que Coptas e "liberais" compõe a parcela da população que mais "perderam" com o resultado do primeiro turno. Os "liberais" que são a parcela da população em geral contra um religioso no poder, mas que também não admitem um membro do governo anterior como presidente, ficaram sem ter em quem votar e os Coptas se sentem fortemente ameaçados pela possibilidade de terem que encarar um governo islâmico.

Paralelamente a isso, saiu sábado a sentença do julgamento de Mubarak. O resultado é que o ex presidente foi condenado a prisão perpétua (que no Egito é de 25 anos...pois é), mas muitos dos que executaram as ordens pelas quais ele foi condenado permanecem em liberdade, o que revolta a população e fez com que muita gente voltasse a praça Tahrir.   
      
Como resumiu um professor meu, nossa experiência aqui vivendo esse período histórico de transformação, sentido na pele o turbilhão de emoções que domina a população e as vezes sofrendo consequências desagradáveis, meio que levamos um "tapa da história" ou vários "tapas" rs.